Literatura "bomba de gasolina"


É uma discussão recorrente entre mim e amigos meus, a do Paulo Coelho vs. literatura (e quem diz Paulo Coelho diz qualquer um desses escritores de bomba de gasolina ou da Pergaminho em geral). No fim, parece-me que ninguém fica mais esperto e acaba sempre em relativa confusão, com os que gostam a chamar-me arrogante e com os que não gostam, e até concordam comigo, a ser politicamente correctos e a chamar-me arrogante também, num gesto que para mim será sempre um misto de condescendência (que às vezes é mais arrogante ainda)com uma vontade compreensível de não discutir gostos, de ficar de bem com todos os interlocutores, de não alimentar mais conversa e de uma série de outras razões que nem importam muito ao que vou dizer agora.
Acontece que eu gosto de ler. Gosto MUITO até, faço-o com devoção, às vezes devoro livros aos três e quatro de uma vez, já li muito e sei que não li nem uma ínfima parcela do que gostaria de ter lido e encontro nos livros uma forma de melhorar a forma como escrevo, como me expresso, como vejo o mundo e as pessoas em geral. Aprendo e descubro com muito prazer os clássicos, os contemporâneos, os históricos, os romances, os policiais, os contos, tudo o que me vier parar à mão. Ou quase tudo.
O respeito que nutro pela literatura em geral faz-me questionar uma série de coisas (tal como faço com a música, com o cinema ou tão simplesmente, com a comida) e o Paulo Coelho é uma das que mais me impressiona e que desconfio nunca vir a ter capacidade de aceitar e/ou compreender. Já li quase todos os livros dele (tive o infortúnio de receber, num aniversário e de uma assentada só, pelo menos 4), li A Brida, O Diário de um Mago, O Alquimista, o Verónika decide morrer, até o Maktub (livrinho engraçado no meio disto tudo), sei lá que mais, e de todos (menos do primeiro) restou-me a mesma sensação que teria se fosse comer no MacDonalds, uma sensação profunda de estar a ser enganada, de ler uma e outra vez o mesmo e único livro, vazio, escrito para fazer dinheiro, intelectualmente desonesto. O Paulo Coelho é fastfood e, se ninguém contradiz que o fastfood é nefasto para a saúde, porque é que ninguém questiona os efeitos colaterais no leitor dos livros dele? Porque é que ninguém questiona a falsa mensagem de magia, de Richard Bach formatado (sim, pois, vai onde te leva o coração, já sabemos, já sabemos), de ouçam-os-conselhos-do-mago-que-eu-é-que-sei? Porque é que ninguém questiona a pobreza daqueles livros?
Já ouvi de tudo e nada me convence. Já me disseram que mais vale as pessoas lerem aquilo do que não lerem nada, que é uma questão de gostos, tudo argumentos falaciosos. Não é verdade que mais vale as pessoas lerem aquilo do que não lerem nada, não é.
Não digo que ninguém deva ler o Paulo Coelho, não é nada disso, cada um come o que quer e eu sei que há muita gente que gosta do MacDonalds, apesar de achar isso insano. A questão é que me parece importante que se chamem as coisas pelos nomes e acho ofensivo para a classe que se chame escritor ao Paulo Coelho (tal como acho ofensivo que se chamem hamburgueres do Macdonald). Aquilo até pode ser levezinho, ler-se bem, pode ser entretenimento mas nunca vai ser culturalmente relevante, nunca vai ser um livro, nunca vai ser bem escrito, bem imaginado, bem nada. É uma salada de legumes enlatados, uma sopa instantânea, um saco de cebola desidratada que incha com água. Existem dezenas, centenas, milhares de escritores 'leves', com livros fáceis de ler, divertidos, imaginativos, livros que falam de magia também, livros que dão mensagens de esperança, livros bons para levar para a praia, para ler no comboio, para ler só por ler mas, ora bolas,só não têm máquinas gigantescas de marketing atrás. Os seus autores não se fazem passar por magos sérios, são apenas escritores, provavelmente nem vendem assim tanto porque não são conhecidos nem polémicos. As prateleiras das livrarias e das bibliotecas ardem de tanto livro à espera de ser descoberto e aí, entra novamente a lógica do fastfood. Paulo Coelho é fácil, não é preciso procurar, encontra-se até nas bombas de gasolina, não dá trabalho nenhum. Ou seja, no fundo até se sabe que é mau, mas oh, está aqui mesmo à mão de semear, até nem é caro e toda a gente conhece.
Um prego será sempre mais verdadeiro que um hamburguer do Macdonalds, digo eu, e no fundo até custa o mesmo. Ao menos sempre é carne de verdade.

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