E se o corpo, esse viaduto da alma, não existisse? Se fossemos só alma, uma camada de pó reluzente de várias cores, será que as relações humanas seriam as mesmas? Até que ponto o corpo assume um papel importante em tudo aquilo que fazemos? Tenho a certeza que seria tudo muito diferente, porque se é verdade que o corpo/aparencia facilita as coisas para alguns também prejudica para outros. Por exemplo, possivelmente, muitas das pessoas que se sentem bem consigo mesmas apenas por serem bonitos ou elegantes, deixariam de o ser e o contrário também seria verdade, ou seja, pessoas menos atraentes fisicamente, mas fieis a si próprias e aos seus valores, ir-se-iam sentir maravilhosamente na sua não-pele. Não quero com isto desvalorizar a aparência, ela é importante e em (pen)última análise, também reflecte bastante do que somos: a postura, a forma como nos movimentamos e relacionamos com o espaço (e disso entendo eu!) mas, apesar de tudo isso, não pode(deve) ser o mais importante pois convinhamos, é muito mais fácil ser-se bonito a ser-se leal aos nossos valores, dá mais trabalho, horas de sono perdidas e se calhar uma outra ruga no rosto. E quando penso e escrevo sobre isto, faço-o para mim, para me relembrar porque muitas vezes também eu me esqueço, também eu me deixo corromper e enganar pelas aparências que frequentemente pouco ou nada têm a ver o sumo, a massa de que as pessoas são feitas.


Aurea Mediocritas

"E um só momento nos sentimos deuses
Imortais pela calma que vestimos
E a altiva indiferença
Às coisas passageiras "


"Para ser grande, sê inteiro: nada teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és no mínimo que fazes.
Assim como em cada lago a lua toda brilha, porque alta vive.”

Ricardo Reis


Há em Ricardo Reis, heterónimo de Pessoa, uma leveza nas palavras, uma tranquilidade que me acalma o coração. A procura do equilíbrio como caminho da felicidade, e a racionalidade com que exalta a sabedoria que é aproveitar o presente... porque a vida é fugaz e efémera, ao contrário de alguns momentos que se forem saboreados devidamente (com tudo o que isto tem de subjectivo) se tornam eternos nas nossas memórias.
É este sentimento que busco, a satisfação de viver cada dia intensamente mas sem tirar os pés do chão...e o desafio é este mesmo, a procura do "meio termo", da virtude e da loucura saudável que nos diferencia e impulsiona...pois o doce, não seria tão doce sem o amargo, e talvez por isso, saiba tão bem de vez em quando, por breves instantes, fechar o olhos e sentir-me levitar um bocadinho , pairar sobre as coisas más (como dizia a fada oriana da Sophia de Mello Breyner).