"olhe, era o costume se faz favor"




Não é de hoje o meu gosto pela a agitação citadina bem, vocês sabem ;). E aliada à cidade vem toda uma panóplia de rituais que mesmo que se realizem noutros locais, é na cidade que adquirem a forma mágica à luz alaranjada dos candeeiros.
Há dias, falava com o Zé sobre “Rotinas & Rotinas”, dava um belo titulo de programa de televisão, não dava? sempre era mais interessante que o Esquadrão G, mas isso é outra estória ;) . Chegámos então à conclusão que se destinguem dois tipos de rotina: a “má”, que se prende á monotonia das coisas feitas por obrigação, e uma rotina “boa”, que aconchega e que inconscientemente deixamos entranhar nos nossos corpos, não pela periodicidade com que se repete mas por nos saber tão bem que nem damos por ela. É nesta categoria que insiro os Rituais:
Recordo com saudade as sessões terapêuticas de sábado às 5 no café ao virar da esquina. Eram tardes de confissões entre lágrimas, sorrisos, cafés e açúcar , o doce e o amargo, tudo à mesa do café do costume.
“O costume” é outro prazer cosmopolita. O bom cosmopolita tem um prazer especial em dizer “olhe , é o costume sff”. Há todo um sentimento de conforto aliado á expressão que é, de certo modo, um estatuto e como tal demora tempo a ser adquirido: muitos fins de tarde, de noite passados num qualquer bar num qualquer canto escondido da cidade... Já para não falar na forma como o cosmopolita, depois de um concerto de jazz ao vivo, ou de uma peça de teatro, entoa a frase “último ferri”, “último comboio” “último qualquer coisa” há algo de mágico na sonoridade que (novamente, e desculpem a repetição) aconchega quase tanto como o caldo verde quentinho e o pão com chouriço quando a madrugada já vai alta.
Não podia deixar de mencionar o cartucho de jornal, ou mais frequentemente, de páginas amarelas com castanhas lá dentro no outono, em plena baixa pombalina...
Estes e outros prazeres são exemplos de rituais cosmopolitas. Gosto da palavra ritual pela misticidade quase religiosidade que implica, e é desta forma que encaro os meus que tanta satisfação me dão.

A propósito, fiquem com esta música da Mafalda que ilustra um tanto ou quanto o que quero dizer:


"Esperei-te no fim de um dia cansado
À mesa do café de sempre
O fumo, o calor e o mesmo quadro
Na parede já azul poente
Alguém me sorri do balcão corrido
Alguém que me faz sentir
Que há lugares que são pequenos abrigos
Para onde podemos sempre fugir

Da tarde tão fria há gente que chega
E toma um café apressado
E há os que entram com o olhar perdido
À procura do futuro no avesso do passado

O tempo endurece qualquer armadura
E às vezes custa arrancar
Muralhas erguidas à volta do peito
Que não deixam partir nem deixam chegar

O escuro lá fora incendeia as estrelas
AS janelas, os olhares, as ruas
Cá dentro o calor conforta os sentidos
Num pequeno reflexo da lua

Enquanto espero percorro os sinais
Do que fomos que ainda resiste
As marcas deixadas na alma e na pele
Do que foi feliz e do que foi triste

Sabe bem voltar-te a ver
Sabe bem quando estás ao meu lado
Quando o tempo me esvazia
Sabe bem o teu abraço fechado

E tudo o que me dás quando és
Guarida junto à tempestade
Os rumos para caminhar
No lado quente da saudade "

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