A Cúmplice
"Nestas impressões sem nexo, nem desejo de nexo, narro indiferentemente a minha autobiografia sem factos, a minha história sem vida. São as minhas Confissões, e, se nelas nada digo, é que nada tenho que dizer."
Lisboa sempre foi Minha.
Quem me dera não ser tão exigente.
Comigo, com os outros, com tudo no geral. A felicidade está mais próxima dos que se contentam. Não se trata de encontrar a perfeição em todas as coisas mas da sensação de harmonia que se sente quando algo está onde deve estar, como aquele quadro na parede que se endireita ou aquele lápis que se coloca na caixa no seguimento do degrade. Sou um bocado assim, um bocado "arrumadinha". É um caminho penoso também, são muitas as expectativas, mais ainda as desilusões mas quando algo de bom realmente acontece e o quadro se endireita na parede é novamente a sensação de imperturbabilidade que se instala...e só por isso, já vale a pena.
A idade apura os sentidos
Da cegueira (e) do amor.
A sabedoria popular quase que cataloga os casais/relações em dois grupos: os que são idênticos, partilham os mesmos gostos e hábitos e os que são opostos. A mesma sabedoria diz que os opostos se atraem. Pessoalmente, e por experiência, não acredito nesta afirmação. Os opostos, afastam-se, sempre! "não se ama alguem que não ouve a mesma canção" já dizia o Rui Veloso, da mesma forma que não é fácil amar alguem que tem um ritmo biológico muito diferente do nosso e, por exemplo, se levanta às 15h da tarde ao fim-de-semana, quando nós nos levantávamos às 11h , 12h . Amar ama, mas não é viável. É necessário uma grande capacidade de ajuste para conseguir tal coisa. Ninguem consegue/deve faze-lo de forma tão drástica pois a probabilidade de acordar um dia e sentir-se farto é bastante elevada. Os hábitos, mais do que os interesses em comum, assumem assim uma grande importância numa relação.
Os gostos, por sua vez afectam indirectamente esses hábitos adquirindo assim também eles a sua importância na hierarquia de uma relação. Não é que seja fundamental, mas imagine-se um casal em que um gosta de heavy metal e o outro de jazz ou um gosta de fazer desporto e o outro não. Não há como partilhar momentos, desfrutar de uma música ou um filme a dois...Á parte disto tudo, o que interessa mesmo é ser-se cúmplice e companheiro, ver no outro alguêm com quem podemos contar acima de tudo para o bem e para o mal...e porque é que eu estou com esta conversa? não sei, talvez gostasse que alguem me tivesse dito isto, ou talvez não. Há coisas que temos de aprender por nós próprios, ser o pior cego por não querer ver e bater com a cabeça até ver novamente.
É verdade que já sinto uma pontinha daquela depressão que se abate sobre nós quando às oito da noite já não é bem de dia ou quando se sente que ir para a praia já é um bocadinho estranho. Apesar disso, e de como já disse várias vezes, não gostar de criar expectativas, este ano encaro com alguma satisfação a chegada do Outono por vários motivos que se prendem com os (também ja tantas vezes mencionados) "contemplados do meu coração". A Paula, que me abandonou a meio do curso e a qual tomou por refúgio dos últimos 4 anos a cidade dos estudantes, resolveu finalmente voltar a Lisboa, à nossa Lisboa, das sete colinas, das tertúlias iterenantes e das estórias bizarras; a minha irmã, que aos poucos volta a ser uma presença mais frequente no meu quotidiano; a Sara, que continua igual a ela mesma e a partilhar novas e velhas paixões, o gosto pelas coisas pequenas, os detalhes e os nossos rituais; e por fim (mas não em último) o Miguel, cujo o destino se cruzou com o meu e desde então somos a melhor dupla de criminosos de que há memória, qual Bonnie and Clyde.
Antevejo um Outono tranquilo, o princípio de uma imensa sensação de paz , saber que é isto, deixar de esperar. Podem cair as folhas, ruir os céus que eu vou estar aqui, nalguma tarde a beber um chá ou a fazer incursões fotograficas, nalguma noite a jantar sushi e a beber um bom vinho tinto ao ritmo lento das conversas prazeirosas. A verdade é que os dias já estão mais curtos, e a brisa sopra mais forte mas eu tenho Verão cá dentro e tudo em mim é feito desse calor.
Se dedicasse alguma coisa a alguém, seria à minha mãe. A minha mãe é sem a menor sombra de dúvida a pessoa que eu mais admiro. Não, não sou menina da mamã, , mas olho para ela e sinto-me orgulhosa de a ter por perto. E admiro-a por ser lutadora, por ter tido a coragem, a ousadia de vir para a grande cidade tirar um curso superior (na altura não era assim tão usual-talvez também por isso houvesse mais emprego, mas isso são outras conversas) e trabalhar ao mesmo tempo, comprar uma casa, criar uma filha. Tudo isto sem nunca deixar de ser genuína, simples e sem se achar mais que ninguém. Mas para mim é mais que muita gente. É o exemplo do que deve ser uma mulher contemporânea independente e com ambição (diferente de ser gananciosa). Obrigada mãe, já não se fazem pessoas como tu e eu só sou o que sou hoje graças a ti. Desculpa qualquer coisa, as birras e as chatices, as noitadas e o quarto (por vezes) desarrumado. Eu amo-te muito e nem sempre sei como demonstra-lo. Hoje faço-o desta maneira.
Pode ser que um dia te orgulhes de mim como eu me orgulho de ti.
Todos os dias acordo com uma certeza maior, a minha felicidade vem, em grande parte, da felicidade dos outros. Nos últimos anos cresceu em mim algo mais do que vontade, um desejo de ajudar quem mais precisa. Não se descreve um sorriso, não se escreve um olhar de alguém que se acabou de ajudar, é talvez o sentimento mais genuíno que se pode sentir, é amor. O meu coração cresceu (envelheu?) nos últimos tempos e, se antes a minha felicidade passava apenas pela satisfação das minhas necessidades, hoje vai muito além disso. Não sei dizer o que se passou em mim, o que me aconteceu, a verdade é que se durante algum tempo andei sem saber bem qual era a minha vocação, hoje sei que ela passar por ajudar os outros…soa a cliché, mas não é!
E se o corpo, esse viaduto da alma, não existisse? Se fossemos só alma, uma camada de pó reluzente de várias cores, será que as relações humanas seriam as mesmas? Até que ponto o corpo assume um papel importante em tudo aquilo que fazemos? Tenho a certeza que seria tudo muito diferente, porque se é verdade que o corpo/aparencia facilita as coisas para alguns também prejudica para outros. Por exemplo, possivelmente, muitas das pessoas que se sentem bem consigo mesmas apenas por serem bonitos ou elegantes, deixariam de o ser e o contrário também seria verdade, ou seja, pessoas menos atraentes fisicamente, mas fieis a si próprias e aos seus valores, ir-se-iam sentir maravilhosamente na sua não-pele. Não quero com isto desvalorizar a aparência, ela é importante e em (pen)última análise, também reflecte bastante do que somos: a postura, a forma como nos movimentamos e relacionamos com o espaço (e disso entendo eu!) mas, apesar de tudo isso, não pode(deve) ser o mais importante pois convinhamos, é muito mais fácil ser-se bonito a ser-se leal aos nossos valores, dá mais trabalho, horas de sono perdidas e se calhar uma outra ruga no rosto. E quando penso e escrevo sobre isto, faço-o para mim, para me relembrar porque muitas vezes também eu me esqueço, também eu me deixo corromper e enganar pelas aparências que frequentemente pouco ou nada têm a ver o sumo, a massa de que as pessoas são feitas.
"E um só momento nos sentimos deuses
Imortais pela calma que vestimos
E a altiva indiferença
Às coisas passageiras "
"Para ser grande, sê inteiro: nada teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és no mínimo que fazes.
Assim como em cada lago a lua toda brilha, porque alta vive.”
É este sentimento que busco, a satisfação de viver cada dia intensamente mas sem tirar os pés do chão...e o desafio é este mesmo, a procura do "meio termo", da virtude e da loucura saudável que nos diferencia e impulsiona...pois o doce, não seria tão doce sem o amargo, e talvez por isso, saiba tão bem de vez em quando, por breves instantes, fechar o olhos e sentir-me levitar um bocadinho , pairar sobre as coisas más (como dizia a fada oriana da Sophia de Mello Breyner).