Rascunho sobre a felicidade

O tempo, o espaço, as muitas pessoas que passaram e continuam a passar pela minha vida, ensinam-me todos os dias que a felicidade ou esse estado de plenitude indescritível que por vezes nos enche o peito e faz sentir vivos, tem tudo a ver com a importância que damos às coisas. É difícil ser-se feliz a tempo inteiro, mas é possível ser-se muito feliz, muito mais vezes do que aquelas que habitualmente somos, se pensarmos que o batimento do coração é finito...

07/2008
Os filhos dos filhos da Liberdade


Os filhos da liberdade nasceram com o 25 de Abril e são a geração de todos os sonhos, cresceram na liberdade, longe do estado novo, da PIDE e da repressão. Cresceram a ouvir os pais contar histórias de censura, de privação de liberdade de expressão e a darem graças a Deus por os seus filhos terem nascido após a revolução. Esse sentimento pós-25 de Abril foi transmitido com tanta veemência aos filhos da liberdade, que estes juraram perpetua-la como se de uma doutrina se tratasse. Em resultado disso, como pais, os filhos da liberdade são o contrário do que os pais devem ser. Querem ser amigos, companheiros, colegas, e até aqui nada de mal, não fosse o facto de não serem o que é mais difícil e ingrato: pais. Ser pai significa, para além do ser amigo e companheiro, ser educador, ser um modelo a seguir e quando necessário significa dar umas boas palmadas, e quem diz palmadas diz castigos mas também conselhos e recompensas. Os filhos da liberdade são óptimos a dar estas últimas mas péssimos em dar as restantes: não só acham mal dar palmadas, como criticam os (poucos e abençoados) pais que ainda as dão, ouvindo-se coisas do género “olha para aquilo, pôs o miúdo a chorar” - notícia de última hora: se não chorar agora quando tu lhe dizes “não”, vai chorar daqui a alguns anos e da pior maneira. Resultado: temos crianças terríveis (que não tem culpa nenhuma) que não compreendem a palavra “Não” e que, no futuro, irão ter muitos dissabores quando se derem conta das contrariedades da vida. Eu não sou a favor de dar palmadas deliberadamente, mas quando à primeira e à segunda faz birra e esperneia depois da mãe explicar que não lhe vai comprar outro chupa-chupa porque faz mal aos dentes, à barriga etc, então está na eminência de levar uma palmada no rabo! Eu levei-as e tenho de admitir que muitas delas foram merecidas. Dantes as crianças, não é que fossem mais sossegadas, mas sabiam que não deviam fazer certas coisas porque os pais iam ficar zangados e mais tarde, quando tiveram capacidade, compreenderam as suas razões e não foi por isso que deixaram de adorar os pais. Eu não deixei. A verdade é que não tenho filhos e admito que, longe do papel de mãe as coisas possam parecer mais fáceis, mas ainda assim, vou-me esforçar tanto por ser amiga, como mãe, sabendo que um não implica a negligência do outro.
Romântico-quase-adolescente

Existem casais que estão em sintonia na maioria dos aspectos. Existem outros que estão em sintonia em muitos, mas não em todos os aspectos (pergunto-me se não serão todos assim) e que, por essa razão, têm que se adaptar mutuamente em busca da tal sintonia. Há também quem não acredite neste “moldar” e considere que uma relação só faz sentido quando os dois se entendem logo à primeira. Eu acho muito bonito que assim pensem…os miúdos (se calhar, mais as miúdas) de 16 anos, que da vida amorosa apenas conhecem o que vêem nos filmes, que regra geral terminam sempre com um enganador “ e viveram felizes para sempre”. Feliz ou infelizmente, já não partilho desse romantismo adolescente. Acredito que duas pessoas que partilham as suas vidas, acabam, invariavelmente, por divergir num ou outro aspecto do quotidiano, e as diferenças mais simples podem mesmo ser fatais quando as relações não têm pilares fortes, isto é, um amor capaz de ultrapassar essas divergências. Soa a cliché mas penso, verdadeiramente, que o desafio que é moldarmo-nos a outra pessoa sem, no entanto, fugirmos de quem nós somos, é uma hipótese que a vida nos dá, que a outra pessoa nos oferece de crescermos com ela e connosco…e o amor, o amor puro é determinante para o dito crescimento! Acho que é disto que são feitos os grandes amores e é assim que me imagino, velhinha, de cabelos brancos, ao lado do homem que viveu e se demorou comigo nos momentos apaixonantes mas também nos momentos de crise, quase sempre acompanhados ora de risos , ora de lágrimas na certeza de que todos eles valeram a pena, porque o amor foi sempre mais forte e fez-nos engrandecer e criar laços que dificilmente se desatam. Se calhar também é uma visão romântico-quase-adolescente mas, penso que, com uma consciência diferente acerca do que realmente tem importância…
O que se quer


"O que é bonito no querer é sentirmo-nos subitamente incompletos sem a coisa que queremos. Quanto mais bela ela nos parece, mais feios nos sentimos. Parte da força da nossa vontade vem da força com que se sente que ela nunca poderia querer-nos como nós a queremos. Querer é sempre a humilhação sublime de quem quer. Por que razão não nos sentimos inteiros quando queremos? É porque a outra pessoa, sem querer, levou a parte melhor que havia em nós, aquela que nos faz mais falta. É a parte de nós que olha por nós e nos reconcilia connosco. Quanto mais queremos outra pessoa, menos nos queremos a nós(...)
O desejo é democrático, mas o querer é fascista.O que desejamos, dava-nos jeito; o que queremos fez-nos mesmo falta. Mas tanto desejar como querer são muito fáceis. Ter, isto é, conseguir mesmo o que se quer é mais difícil. E reter o que se tem, guardando-o e continuando a querê-lo, tanto como se quis antes de se ter, é quase impossível. Há qualquer coisa que se passa entre o momento em que se quer e o momento em que se tem. O que é?
"Cada pessoa, - dizia Oscar Wilde, - acaba por matar a coisa que ama". Mata-a, se calhar, quando sente que a tem completamente. (...)
A verdade, triste, é que uma pessoa completa, a quem não falta nada, não é capaz de querer outra pessoa como deve ser. No momento em que se sente que tem o que quer, foi-lhe devolvida a parte que lhe fazia falta e passou a ter tudo em casa outra vez. Fica peneirenta, sente-se gente outra vez. É feliz, está satisfeita e deixou de ser inferior à sua maior necessidade. O ter destrói aquilo que o querer tinha de bonito. Uma necessidade ocupa mais o coração, durante mais tempo, que uma satisfação. Querer concentra a alma no que se quer, mas ter distrai-a. Nomeadamente, para outras coisas e outras pessoas que não se têm. (...)

Ter o que se quis não é tão bom como se diz, nem querer o que não se tem é assim tão mau. O segredo deve estar em conseguir continuar a querer, não deixando de ter. Ou, por outras palavras, o melhor é continuar a ser querido sem por isso deixar de ser tido. O que é que todos nós queremos, no fundo dos fundos? Queremos querer. Queremos ter. Queremos ser queridos. Queremos ser tidos. É o que nos vale: afinal queremos exactamente o que os outros querem. O problema é esse."


Miguel Esteves Cardoso in "Os meus problemas"