Sento-me na janela e fumo um cigarro devagar. O jorge palma canta baixinho, no concerto mais pequeno do mundo, e a vela arde tão devagar quanto o fumo que serpenteia janela fora...
"Nestas impressões sem nexo, nem desejo de nexo, narro indiferentemente a minha autobiografia sem factos, a minha história sem vida. São as minhas Confissões, e, se nelas nada digo, é que nada tenho que dizer."
É verdade que já sinto uma pontinha daquela depressão que se abate sobre nós quando às oito da noite já não é bem de dia ou quando se sente que ir para a praia já é um bocadinho estranho. Apesar disso, e de como já disse várias vezes, não gostar de criar expectativas, este ano encaro com alguma satisfação a chegada do Outono por vários motivos que se prendem com os (também ja tantas vezes mencionados) "contemplados do meu coração". A Paula, que me abandonou a meio do curso e a qual tomou por refúgio dos últimos 4 anos a cidade dos estudantes, resolveu finalmente voltar a Lisboa, à nossa Lisboa, das sete colinas, das tertúlias iterenantes e das estórias bizarras; a minha irmã, que aos poucos volta a ser uma presença mais frequente no meu quotidiano; a Sara, que continua igual a ela mesma e a partilhar novas e velhas paixões, o gosto pelas coisas pequenas, os detalhes e os nossos rituais; e por fim (mas não em último) o Miguel, cujo o destino se cruzou com o meu e desde então somos a melhor dupla de criminosos de que há memória, qual Bonnie and Clyde.
Antevejo um Outono tranquilo, o princípio de uma imensa sensação de paz , saber que é isto, deixar de esperar. Podem cair as folhas, ruir os céus que eu vou estar aqui, nalguma tarde a beber um chá ou a fazer incursões fotograficas, nalguma noite a jantar sushi e a beber um bom vinho tinto ao ritmo lento das conversas prazeirosas. A verdade é que os dias já estão mais curtos, e a brisa sopra mais forte mas eu tenho Verão cá dentro e tudo em mim é feito desse calor.
Se dedicasse alguma coisa a alguém, seria à minha mãe. A minha mãe é sem a menor sombra de dúvida a pessoa que eu mais admiro. Não, não sou menina da mamã, , mas olho para ela e sinto-me orgulhosa de a ter por perto. E admiro-a por ser lutadora, por ter tido a coragem, a ousadia de vir para a grande cidade tirar um curso superior (na altura não era assim tão usual-talvez também por isso houvesse mais emprego, mas isso são outras conversas) e trabalhar ao mesmo tempo, comprar uma casa, criar uma filha. Tudo isto sem nunca deixar de ser genuína, simples e sem se achar mais que ninguém. Mas para mim é mais que muita gente. É o exemplo do que deve ser uma mulher contemporânea independente e com ambição (diferente de ser gananciosa). Obrigada mãe, já não se fazem pessoas como tu e eu só sou o que sou hoje graças a ti. Desculpa qualquer coisa, as birras e as chatices, as noitadas e o quarto (por vezes) desarrumado. Eu amo-te muito e nem sempre sei como demonstra-lo. Hoje faço-o desta maneira.
Pode ser que um dia te orgulhes de mim como eu me orgulho de ti.